Descobrindo Rapa Nui e sua história (Ilha de Páscoa)
Um pouco de história sobre a Ilha de Páscoa e a cultura Rapa Nui
A Ilha de Páscoa é um pedacinho de terra cheio de mistérios – a maioria deles gira em torno da era Ahu Moai, período em que os Rapa Nui (população da ilha) construíam intensamente uma enorme quantidade de Moai: estruturas de pedra que representavam seus ancestrais e protegiam seus respectivos clãs.
Durante nossos dias na ilha, conversamos muito com nativos – que inclusive eram nossos guias no hotel Explora – lemos alguns livros e visitamos o museu da Ilha de Páscoa. Tivemos a oportunidade de aprender muito sobre a cultura Rapa Nui e sobre o que aconteceu com o local desde a sua primeira colonização, aproximadamente em 400 D.C. Acredita-se que os ancestrais da Polinésia – e consequentemente da Ilha de Páscoa – são os povos das ilhas Tonga e Samoa, cuja cultura é denominada Lapita. Eles são os ancestrais diretos do povo Rapa Nui.
Bom, voltando um pouco antes disso no tempo.. É interessante saber que a Ilha de Páscoa tem origem vulcânica. Seu formato triangular é exatamente por causa disso: 3 vulcões (indicados na imagem abaixo) entraram em erupção em extremidades diferentes e formaram a ilha. O mais recente desses vulcões tem 300.000 anos. A ilha tem a costa cheia de rochas vulcânicas e praticamente não tem praias, com exceção de Anakena e Ovahe (ambas no norte da ilha).
Diz a lenda que, um belo dia, a cerca de 2.500 anos atrás, o rei Hotu Matu’a sonhou com uma ilha exatamente como a Ilha de Páscoa, e acreditou que o sonho indicava o lugar onde ele deveria morar. Enviou então 70 guerreiros em busca de tal lugar. Durante a viagem, os guerreiros encontraram uma tartaruga e a seguiram. Foi aí que chegaram exatamente no sonho do rei. Eles exploraram o local, construíram novas canoas e voltaram para buscar Hotu Matu’a e toda sua comunidade. Assim começou a vida em Rapa Nui – cujo nome original é Te Pito o Te Henúa (umbigo do mundo).
Durante os anos 400 e 800 ocorreu então a fase de povoamento da ilha.
Acredita-se que a era Ahu Moai (a mais famosa de Rapa Nui) teve início em 800 D.C e durou até 1680. Esse período representa o pico da cultura Rapa Nui, com a construção de centros cerimoniais enormes e construções incessantes de Moai.
De acordo com a tradição, Hotu Matu’a colonizou Rapa Nui e foi o primeiro Ariki (rei) da ilha. Cada um dos seus 6 filhos foi responsável por formar as principais Mata ou tribos por lá. Cada Mata (tribo) era consequentemente dividida em Ure (clãs) – e o líder de cada clã era o nativo mais velho que tivesse alguma relação direta com um dos filhos de Hotu Matu’a. Existiam várias posições sociais na tradição Rapa Nui: Reis, aristocratas, importantes sacerdotes, guerreiros, refugiados e escravos. Cada um exercia uma função no seu clã.
A principal característica cultural dos Rapa Nui é a construção dos Moai – que representavam sua devoção aos ancestrais de cada clã. Com o passar dos anos, os Moai foram se tornando mais “estilizados” e maiores, uma vez que as técnicas para sua construção foram sendo aperfeiçoadas.
E como eram feitos os Moai pelos Rapa Nui?
Graças à enorme quantidade de Moai “abandonados” e inacabados nas encostas do vulcão Rano Raraku (local conhecido como “pedreira” ou “fábrica de Moai”), pesquisadores conseguiram entender um pouco mais sobre o seu processo de construção. Os Moai eram esculpidos nas próprias pedras vulcânicas (Tova), continuando conectados à encosta através de uma faixa estreita de pedra na parte traseira. Uma vez que a parte da frente estivesse toda finalizada, essa “quilha” era removida e o Moai deslizava pela encosta até o solo. Ele então era colocado de pé para que suas “costas” pudessem ser esculpidas também.
E uma vez prontos, o que faziam com eles?
Os Moai finalizados era levados para os Ahu – plataformas de pedra que funcionavam como cemitérios para membros mais nobres do clã. Como eles eram transportados até lá, entretanto, ninguém sabe. Evidências mostram que os Moai eram levados em pé. Acreditam nisso pois foram encontrados vários moai caídos e quebrados no que seriam trajetos entre a Fábrica de Moai e as plataformas. Quando os moai eram encontrados caídos com a face para o chão, eles apontavam para uma plataforma. Quando apareciam caídos com a face para cima, a cabeça estava na direção do Rano Raraku. Além disso, o fato de estarem quebrados indica que caíram violentamente – se estivessem na horizontal, praticamente do nível do chão, não estariam quebrados da forma como foram encontrados.
Aparentemente, a construção de Moai é uma tradição exclusiva dos Rapa Nui. Ao contrário dos que muitos imaginam, as estátuas não representam nenhum Deus ou nenhum símbolo religioso, mas apenas ancestrais, como falamos acima. Além disso, acredita-se que o tamanho e os detalhes/qualidade da escultura demonstrava o poder e o prestígio de cada clã. Acredita-se ainda, que por serem sempre erguidos e posicionados com a face voltada para a região em que o clã vivia, os Moai tinham também o objetivo de proteger as atividades daquele clã e seu território.
Os Moai também deixavam clara a importância da hierarquia entre as sociedades. Apenas pessoas consideradas importantes (ou com maior Mana, poder) eram representadas em Moai. A realeza era representada com um Pukao, um coque (estrutura vermelha de pedra que se assemelha a um chapéu) sobre a cabeça das estátuas, por exemplo; e todos eram construídos com unhas enormes, o que demonstrava que aqueles ali representados não precisavam trabalhar nem realizar qualquer tarefa – tinham subordinados que colocam “a mão na massa” por eles.
Também como falamos, todos os Moai, uma vez construídos, eram colocados sobre os Ahu (plataformas). Uma vez de pé (ou próximos aos Ahu), cavidades eram construídas em seus rostos e eles recebiam os olhos (feitos de coral). Os olhos eram os elementos que davam “vida” ao Moai. Acredita-se que o momento da instalação dos olhos na escultura era um dos mais sagrados da cultura Rapa Nui. Infelizmente, apenas um olho foi encontrado. Ele está guardado no museu arqueológico de rapa Nui.
O fim da era Ahu Moai e a guerra entre os Rapa Nui
Toda essa era Ahu Moai durou cerca de 800 anos. A intensa necessidade dos clãs de se mostrarem superiores e mais poderosos que os outros através da construção de Moai mais detalhados e maiores acabou resultando na superexploração de recursos da ilha e em seu consequente esgotamento no século XVII.
Essa escassez gerou uma grande luta entre os clãs, que culminou em uma intensa guerra onde todos os Moai foram derrubados. Esse ato desmoralizava o “inimigo” e era a maior ofensa que um clã podia receber. Com a queda dos Moai, a devoção dos Rapa Nui aos seus ancestrais acabou chegando ao fim, e o poder do Ariki (rei) foi significativamente reduzido.
Na Ilha de Páscoa, todos os Moai que se encontram hoje de pé foram restaurados e recolocados daquela forma. Após o fim da era Ahu Moai, não restou um Moai sobre uma plataforma.
A era Huri Moai
Por volta de 1680, então, iniciou-se a era Huri Moai, que durou até a chegada dos católicos em 1864. Essa era foi marcada por escassez de recursos e guerras entre os clãs Rapa Nui. Nesse mesmo período, e ainda por esses motivos, novas expressões políticas e religiosas ganharam força, focando principalmente no deus Make-Make, na fertilidade e no poder de matato’a (líderes guerreiros). Como uma estratégia para restaurar a ordem após tantas disputas, a competição do Homem-Pássaro (ou Tangata-Manu) foi criada. Através dela, um novo líder para a ilha seria eleito todo ano.
A cerimônia mais importante desse culto acontecia na Vila de Orongo, localizada no topo do vulcão Rano Kau, e na ilha Motu Nui – localizada bem em frente a Orongo. Os competidores precisavam nadar até a ilha e capturar o ovo da ave Manutara. O primeiro a retornar para Orongo com o ovo intacto seria reconhecido como Tangata Manu, a reencarnação do Deus criador Make-Make – ele seria então o novo líder da ilha por um ano (na verdade, ou ele ou o chefe de seu clã).
Essa nova tradição acabou encerrando a era do poder da família de Hotu Matu’a, e permitiu que outras Mata (tribos) pudessem chegar ao poder. A conquista do posto mais alto da ilha deixava de ser hereditária e passava a ser por mérito.
O culto Tangata-Manu estava intensamente ligado ao Make-Make. É possível ver petroglifos (ou arte nas pedras) representando Make-Make em várias partes da ilha, principalmente em Orongo.
Redução da população Rapa Nui
Em 1722, ainda nesse mesmo período mas um pouco antes do seu fim, um holandês chamado Jacob Roggeveen desembarcou na ilha e divulgou sua existência para a Europa. Esse contato com o ocidente foi catastrófico para o povo Rapa Nui: cerca de 1/3 dos habitantes da ilha (aproximadamente 1.300 pascoenses) foram levados para o Peru como escravos. Alguns anos depois, devido à pressões internacionais, 100 Rapa Nui conseguiram entrar em um barco e seguir viagem de volta para a ilha, mas apenas 15 efetivamente chegaram. Infelizmente, eles trouxeram consigo doenças que acabaram reduzindo os Rapa Nui a uma população de apenas 111 pessoas. Hoje, não existe nenhum Rapa Nui “puro”, todos possuem outra descendência na família.
Curiosamente, foi esse mesmo holandês que deu o nome católico de Ilha de Páscoa à Te Pito o Te Henúa (nome original, como falei acima). O nome é pelo fato dele ter chegado na ilha dia 5 de abril, um domingo de páscoa.
Jacob, entretanto, não registrou muitos detalhes sobre a ilha; foi o capitão inglês James Cook, que em 1774, com o auxílio de um taitiano que viajava com ele e conseguia se entender com os locais devido às similaridades do idioma, conseguiu fazer uma adequada descrição do local.
Cem anos depois, aproximadamente, o catolicismo foi inserido na ilha. Acreditam que os Rapa Nui aceitaram a nova cultura e religião por se surpreenderem com as belas roupas dos europeus e a “modernidade” de suas embarcações. Alguns nativos dizem que os Rapa Nui provavelmente pensaram “quero acreditar no seu Deus para alcançar o que você tem”, uma vez que eles passaram por uma série de anos de sofrimento.
Infelizmente, para contribuir ainda mais negativamente com as evidências da cultura Rapa Nui, a Ilha de Páscoa foi incorporada ao Chile em 1888 e arrendada para um homem chamado Enrique Merlet. Ele vendeu o seu controle da ilha para a empresa britânica Williamson-Balfour. Uma subsidiária foi criada chamada “Compañía Explotadora de Isla de Pascua”, que acabou transformando a ilha em uma grande fazenda de ovelhas. Os nativos passaram praticamente à condição de escravos tendo que trabalhar para a companhia e não tendo permissão de deixar a ilha. Devido aos constantes abusos, em 1953 o governo chileno se recusou a renovar o arrendamento e transferiu a responsabilidade da ilha para marinha chilena (Armada de Chile). Hoje, os Rapa Nui são reconhecidos como cidadão chilenos e sua economia é estimulada pelo turismo através de vôos frequentes pela LATAM desde Santiago, Lima e Tahiti.
Ainda existe existe uma certa tensão entre os Rapa Nui e os chilenos do continente que se mudam para a ilha (e eu pude comprovar isso quando um taxista deliberadamente começou a desabafar sobre o problema comigo). Os Rapa Nui estão hoje tentando restringir a imigração de chilenos do continente para a ilha, o que exige uma mudança na Constituição.
Por sua riqueza cultural, beleza e isolamento geográfico, Rapa Nui foi declarada Patrimônio Natural da UNESCO em 1995.
Curiosidades:
- Já foram encontrados na ilha cerca de 880 moai. Acredita-se que 288 desses Moai foram levados e erguidos sobre uma plataforma. 397 moai continuaram em sua fábrica (a pedreira do Rano Raraku) e 92 Moai foram encontrados no que seria o caminho entre a pedreira a os Tahu. O maior Moai já construído tinha cerca de 20 metros; mas ele nunca saiu da fábrica dos Moai. O maior Moai já erguido em uma plataforma tinha quase 10m. O menor Moai já erguido tinha pouco mais de 1 metro de altura.
- O nome completo do Moai no idioma Rapa Nui é Moai Aringa Ora, que significa “rosto vivo dos ancestrais”.
- Os Moai eram construídos pelos Rapa Nui para representar seus ancestrais, governantes ou antepassados importantes que depois de mortos tinham a capacidade de estender seu Mana (poder espiritual) sobre o clã para protegê-lo.
- O Rongorongo é o sistema de escrita dos povos da Ilha que, apesar de diversas tentativas, ainda não foi decifrado. Durante a captura dos Rapa Nui que foram levados para o Peru como escravos, estavam o líder de mais alto cargo político da ilha, sua esposa e todos aqueles que sabiam ler e escrever em Rongorongo – que é ainda o único sistema de escrita que já encontrado na Polinésia.
- Os mitos mais importantes da ilha são: Hotu Matu’a: o lendário fundador da ilha. Tangata manu: o culto do homem-pássaro, que era praticado até a década de 1860. Make-make: uma importante divindade local.
- A chegada dos europeus em 1722 causou a redução da população de Rapa Nui para 2.000 ou 3.000 pessoas – enquanto acredita-se que um século antes existiam 15.000 Rapa Nui. As doenças trazidas com o Rapa Nui que foram feitos escravos no Peru acabaram reduzindo ainda mais a população, que foi registrada em apenas 111 nativos em 1877.
- De acordo com o censo de 2012, a ilha de páscoa tem cerca de 6.000 residentes, sendo 60% descendentes de Rapa Nui.
Se você se interessa bastante pelo destino, recomendo o guia do Lonely Planet.
Usamos sempre e nos ajudam bastante:
Kleber Khayat
Parabéns!! Excelente a sua explanação!!!